segunda-feira, 27 de junho de 2016

ORIGEM DAS FESTAS DOS SANTOS POPULARES

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As festas juninas têm uma origem pagã - a celebração do solstício de Verão - que vem dos primórdios da humanidade.

Nos países do hemisfério norte isso tem toda a lógica - no dia 23 de junho o Sol começa a atingir o seu ponto mais alto do ano, algo especial para povos que gozam de poucos dias de sol.

Era visto pelos povos primitivos também como a celebração da fertilidade da terra ou ocasião para o início dum namoro.

A igreja católica, constatando a força dessas festas junto do povo, procurou com sucesso  - nomeadamente em Portugal - ligá-las aos seus mais importantes santos, o que caiu bem em populações predominantemente católicas.

Em Portugal e Brasil (neste, sobretudo no Nordeste e em Minas) as festas assumem características muito peculiares e têm enorme impacto popular. O que é paradoxal, dado o Brasil ser do hemisfério sul, e Portugal ser do sul da Europa onde o solstício não tem tão grande importância. * (1)

Possivelmente a dimensão que se dá às festas juninas nos dois países tem a ver com essa aculturação religiosa que terá aumentado o seu impacto.

MAS QUEM SÃO ESTES SANTOS?

Santo António - de seu verdadeiro nome Fernando de Bulhões - nasce a 13 de Junho de 1196 em Lisboa e morre em 1231 na cidade de Pádua, Itália.

São João, o mais popular dos três, segundo as versões comuns é S. João Batista, o apóstolo que, de acordo  com a Bíblia, batizou Jesus. Toma-se o 24 de Junho como data do seu nascimento.

Mas os habitantes do Porto - onde a grande festa é o dia de S. João - acreditam que celebram um frade eremita de nome João que nasceu no Porto e morreu em Tuy, na fronteira Galiza-Portugal, séc. IX. Três séculos mais tarde D. Mafalda trasladou alguns dos seus restos mortais para o Porto pelos muitos fiéis que acreditavam ter este santo poderes curativos.

S. Pedro, o terceiro da tríada dos santos populares de Junho, é o próprio apóstolo Pedro, a quem Jesus deu nome ao fazê-lo a pedra angular da construção da sua igreja, e celebra-se a 29 de Junho.

AS FESTAS JUNINAS EM PORTUGAL

Em Portugal, de norte a sul e arquipélagos insulares, não há praticamente uma localidade onde não sejam celebradas. Mas apenas um dos santos é escolhido para a festa em cada lugar, os outros são respeitados mas não assumidos como padroeiros do município.


Uma música típica dos santos populares em Portugal AQUI.


A grande  festa de Lisboa é naturalmente o Santo António - a 13 de Junho fecha tudo e é feriado municipal.

Já no Porto e em Braga, 2ª e 3ª cidades portuguesas, o feriado e a festa são do S. João, a 24.

Em Sintra, segundo município mais populoso (arredores de Lisboa) o feriado é a 29 e celebra-se o S. Pedro.

Nas vilas e maiores aldeias (núcleos com menos de 10.000 habitantes) há quase sempre uma banda, que é também escola de música, e concursos de "marchas populares" fantasiadas e seguindo diferentes temáticas, representando colectivos culturais em que as crianças e jovens - e pessoas de todas as idades - participam com particular entusiasmo.

EM LISBOA


A música mais típica das festas dos santos populares é a marchinha. Outra característica da festa junina em Portugal é a população vir toda para as ruas festejar, E, sobretudo em Lisboa, os vizinhos dos bairros típicos e populares têm liberdade para montar bancas de comes e bebes (o que durante o ano só é possível com uma licença especial, camarária), num ambiente de grande alegria, em que as pessoas se misturam nas ruelas estreitas e antigas do centro, nos bairros da Mouraria, Alfama, Bica, Graça, Xabrégas, etc.

O Santo António em Lisboa: na rua, no concurso de marchas e nos casamentos em conjunto.


As ruas são decoradas com bandeirinhas alpendradas, balões de papel, arranjos florais, e vendem-se milhares de vasinhos de manjerico, uma planta cheirosa onde se coloca um verso brejeiro em papel que os rapazes ofereciam às moças, mas hoje todos oferecem a todos, indistintamente - amigos, parentes, etc.

As principais comidas são: a sopa de caldo-verde (couve portuguesa às tirinhas cozida apenas com batata passada, sal, azeite e umas rodelas de chouriço para gosto); as sardinhas - prato obrigatório, muito bom devido à época de captura, ao mar frio e ao método de assadura na brasa - acompanhadas de salada; as bifanas (bifinho de porco, no pão ou no prato); o chouriço (espécie de linguiça de carne de porco curada em fumo ao longo de meses) assado mesmo na rua em chama de álcool e em vasinhos de barro; batatinhas pequenas cozidas com casca e, como sobremesas, arroz doce, leite-creme brulé, salada de fruta... (e muitos etc. - a culinária portuguesa é das mais diversificadas do mundo). Tudo acompanhado de vinho, sangria ou cerveja, e música popular portuguesa.

Em todo o  Stº António de Lisboa é tradição, ainda, algumas dezenas de casais de condição modesta casarem-se em conjunto, com todos os eventos  patrocinados pela Câmara Municipal da capital.

NO PORTO

Já no Porto a celebração de arromba é o S, João , e a cidade vem toda para a rua.

Martelinhos nas ruas do Porto e uma cascata típica.
Os balões em papel colorido, acesos e lançados no ar - muito populares no Brasil - são uma tradição desta cidade, assim como as cascatas, uma espécie de presépio junino, de que inclusive se faz um grande concurso. Outra tradição é bater amigavelmente com um alho porro (modernamente, passaram a ser martelinhos de plástico) em todas as pessoas que passam. O grande final é sempre na Ribeira, zona junto ao rio Douro, onde a multidão se aglomera nas duas margens para assistir ao fogo de artifício lançado da ponte D. Luís (toda em ferro e projectada pelo engenheiro G. Eiffel), sendo a arte da pirotecnia uma forte tradição, havendo ainda bastantes fábricas pirotécnicas na região norte.

AS FESTAS JUNINAS NO BRASIL

Embora a festa mais popular do Brasil seja provavelmente o Carnaval, o S. João em certas regiões excede-o em impacto popular.

"O maior S. João do mundo", em Campina Grande - Paraíba - NE


A grande força do S. João está no Nordeste, onde ganhou particularidades próprias, com o ritmo contagiante do forró *(2), não apenas tocado e cantado, mas também dançado em concursos de frenéticas quadrilhas juninas que seguem sempre o roteiro tradicional: a história dum casamento, onde entra padre, sacristão, casal de noivos, pais dos noivos, rei e raínha do milho, juíz e escrivão, padrinhos, delegado, casal de cangaceiros, convidados (muitas vezes representando "matutos") e um marcador que dirige os passos.

O típico forró, pelo grande Luiz Gonzaga AQUI.

Quase todo o povo festeja, seja com uma fogueira em frente à casa, seja indo para as ruas assistir aos concursos de quadrilhas, dançar, beber e comer, seja vestindo as crianças com trajes muito coloridos.

No nordeste come-se sobretudo milho assado ou cozido, cuzcuz, canjica e pamonha (todos feitos do milho), pé-de-moleque e maçã do amor, em Minas entra ainda o arroz doce, o pinhão e as castanhas de cajú.

O comércio também colabora, além de decorar as lojas, os empregados pôem sempre algum adereço de S. João, como o tradicional chapéu em palha e o lenço.

Uma curiosidade brasileira é que o dia dos namorados - ao contrário do resto do mundo, que é a 14 de fevereiro - no Brasil todo foi associado ao Santo António e comemora-se a 12 de junho!

As festas, na verdade, são celebradas em todo o Brasil, desde S. Catarina (sul) a Roraima (extremo Norte), passando pelo Rio e S. Paulo, onde os núcleos de emigração portuguesa foram sempre bastante numerosos, Minas Gerais, ou mesmo em locais improváveis como o Pantanal de Mato Grosso, com características próprias e muito fortes também.

Verifique:

PANTANAL

S. CATARINA

  MINAS GERAIS








RORAIMA



* 1 - AS FESTAS JUNINAS VIERAM MESMO DE PORTUGAL?

Como, por diversos motivos que não vou analisar, há uma tendência em certos setores para diluir  a influência portuguesa na cultura e na História brasileiras, invocando outros países ou simplesmente omitindo as origens, a pergunta tem cabimento. Há mesmo um blogue numa prefeitura brasileira que encontra influências chinesas nestas festas juninas!

Mas logo à vista desarmada se observam as semelhanças das festas nos dois países - nas datas, na tríade de santos, na música (apesar das diferenças devido à evolução posterior divergente), nos enfeites, nos concursos de marchas ou quadrilhas, nos casamentos colectivos, mas sobretudo no ímpeto e força popular destas festas que se sobrepõe claramente ao eventual carácter religioso.

De todo o modo, fiz buscas no Google sobre o carácter destas festas em culturas de países mais próximos, como Itália, Espanha e França. Em nenhum dos países existe um movimento semelhante, quando muito há celebrações com fogueiras, ou então religiosas, mas de forma muito localizada, em determinado município (em Itália, sobretudo Florença, e na Espanha, sobretudo Valência). Portanto em nenhum são uma festa maciça do povo e de âmbito nacional, como acontece nas festas de Portugal e do Brasil.

Verifique por si mesmo pesquisando no Google de preferência em italiano "festivitá principale, Italia" e em espanhol "fiestas más importantes, España".

Em França também poderá verificar que em junho apenas se celebra a nível nacional, e em dias que não têm nada a ver,  a festa dos pais e a festa da música, esta última de origem recente.


* 2 - SOBRE O FORRÓ

O Forró, nome genérico por que são conhecidos vários estilos musicais do Nordeste brasileiro como o baião, o xote, o xaxado e o coco,  merece particular menção por se tratar dum estilo musicalmente evoluído e com executantes de grande qualidade, de que se destaca Luíz Gonzaga, uma verdadeira força da natureza e considerado o grande renovador e divulgador do estilo.

Tal como o nome Forró vem provavelmente do Português (não do Inglês, nem do Francês  ou do Banto africano, como alguns afirmam - a palavra "forrobodó" de que deriva, é de uso corrente no norte de Portugal, e significa "festançabarulho".

Também é quase impossível que viesse duma das línguas da família Tupi-Guarani, já que nem têm palavras começadas pela letra F, e nada parecido com Bodó também.

Também é natural que as primitivas influências deste género musical sejam portuguesas (não vem nas enciclopédias, mas em Portugal há estilos folclóricos semelhantes, como o Vira (Minho, norte), o Fandango (Ribatejo, centro) e o Corridinho (Algarve, sul), músicas de ritmo também muito acelerado e sincopado, sendo que o triângulo, o acordeão e a viola usados pelas bandas de forró,  são instrumentos também muito usuais no folclore português.

Como é óbvio, dada o forte sentido musical dos outros dois elementos etno-demográficos que, junto com o português,  constituem a base fundadora da sociedade brasileira - o índío (dominante) e o africano - o forró moderno dos anos 40 foi provavelmente beber na rádio, no disco e noutros meios influências alheias como a polka, a música francesa, etc. que o enriqueceram.

Já em relação à dança das quadrilhas, igualmente designada forró no nordeste brasileiro, é habitual considerar-se de influência francesa pelo facto de utilizarem alguns comandos num Francês adulterado, como "anarriê", "anavantu", "balancê", "returnê", bem como pelos passos, que de facto diferem bastante das danças portuguesas.

Ora, como nunca houve colonização francesa do Brasil - no nordeste apenas se regista uma fugaz presença, meramente para trocas, de corsários e mercadores franceses no período antes da colonização propriamente dita, ou seja, antes de os portugueses se estabelecerem em todo o território - seria um tanto mirabolante que existisse essa influência por via direta.

Parece mais lógico que palavras e passos de dança tenham sido trazidos pela corte portuguesa quando se estabeleceu no Rio de Janeiro no início do século XIX e fossem sendo levados por frequentadores das festas da Corte - que eram bastante abertas, ao que consta - para outras regiões do Brasil. O que não obsta que também sejam influenciadas pelo folclore português (basta olhar algumas danças portuguesas já citadas).

Observe-se que as danças de salão da nobreza em Portugal como em toda a Europa tinham, essas sim, muita influência francesa e num certo período (século XVIII) era também considerado  chique os nobres usarem palavras francesas na suas conversas e, por maioria de razão, nos bailes.